Aprendendo a engolir sapos!

Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e os concursos de miss eram televisionados e faziam muito sucesso. Miss Brasil, Miss Universo, sempre aquele formato: desfiles, trocas de figurino, perguntas e respostas com "world peace"... A mesma fórmula que está aí até hoje, mas que não tem a mesma repercussão de antigamente... No auge dessa era (tô me sentindo uma velha!), era comum as meninas brincarem de miss. Certa vez, uma mãe resolveu organizar a brincadeira, pegou uma sala no play do prédio, formou um júri com vizinhas sem filhos ou só mães de meninos (pra isentar o processo!), e criou o Miss Velloso (nome do condomínio onde morava).

Todas as meninas foram incentivadas a participar e eu acabei entrando. Parêntese: nessa época eu me achava horrorosa ! Foi uma tremenda superação participar ! Levamos a sério a coisa. Tinha desfile com roupa comum (todo mundo pegando a roupa nova do Natal, para desespero das mães), traje de banho e traje típico do país que cada menina representava. Precisava de assessoria para atender aos quesitos!

No meio do evento (ops! da brincadeira), veio o momento das perguntas. Todas as meninas enfileiradas em frente ao júri, esperando a sua pergunta. Me coube responder a pergunta de uma senhora de óculos, de voz firme, com pinta de Araci de Almeida:

- Como você se sente participando desse concurso ?
Eu respondi simplesmente, tremendo como vara verde:
- Muito feliz.
Ela retrucou:
-Por que ?
A minha resposta foi:
- "Por que" eu não sei responder.

Nem tinha terminado a frase e já ouvi um sonoro "Ahhhhhh!" de trás de mim, vindo de todo mundo que assistia, em geral, meus colegas meninos... Encerrada essa etapa, muito envergonhada, peguei minhas coisas e não voltei para o desfile com trajes de banho! 

Esse episódio marcou muito minha vida. Já sai dali com a resposta àquela pergunta simples na ponta da língua! Quanta coisa eu poderia ter dito, mas acabei dizendo "não sei". Passei dias remoendo aquele momento, como se eu pudesse voltar no tempo... Com vergonha das pessoas que presenciaram aquele micão (o termo ainda não existia no meu vocabulário). Aquele episódio eu me recordo como minha primeira sensação de impotência. 

O tempo passou, mas eu sei que aquele momento deixou reflexos na minha personalidade. Me tornei muito autocrítica. Me julgo o tempo todo e sou muito intolerante com as minhas falhas. Além disso, eu me condicionei a ter respostas sempre, a não deixar passar a oportunidade de me posicionar quando arguida. A procurar sempre ter uma visão crítica das coisas, para sempre achar as minhas respostas. Independente se certas ou erradas, mas a minha posição.
 
Ontem, vivi uma situação em que eu não pude me posicionar. Ouvi, sem ter espaço pra colocar a minha visão. Até tentei, mas por mais que se abrisse espaço para falar, o outro lado não estava ouvindo. Conclusões pré-concebidas o impediam de ouvir qualquer outra visão.

Saí com um sapo entalado na garganta e percebi que se engolir sapos já é terrível, pra mim é pior ainda. Me faz muito mal porque contraria a minha essência. Eu me esforcei muito para soltar a minha voz para ser impedida de usá-la! 
 
Por incrível que pareça, o sentimento que veio à tona naquele momento era o mesmo de quando me senti acuada perante a sósia da Araci de Almeida! Só me caiu a ficha depois, quando fiz a retrospectiva e cheguei exatamente naquela lembrança, há muito esquecida no fundo da mala.

A vida é assim, um constante aprender e desaprender... Nem tudo que se aprende vale pra sempre, nem toda regra cabe pra tudo. Ser flexível é saber agir de acordo com a circunstância, se adaptar. Engolir sapos (de vez em quando) faz parte da vida e saber engolir é sinal de maturidade. Confesso que ainda não cheguei nesse estágio.


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